domingo, 3 de abril de 2011

Maldição dos recursos naturais?

O debate sobre uma suposta "maldição dos recursos naturais" não é novo. Pode-se com certeza afirmar que o mesmo foi mais feroz alhures, como parecem ser os casos de Venezuela e dos demais países que compõem a Opep. Recentemente no Brasil, a perspectiva de produção da camada pré-sal, mais de 50 bilhões de barris de petróleo, demanda alguma atenção.

Segundo informações da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento (Mdic), entre 1994 e 2010 houve um salto de 24,88% para 44,58% na participação de produtos básicos (commodities) na pauta exportadora brasileira. Os manufaturados, por sua vez, tiveram sua participação reduzida de 57,86% para 39,40%.
A análise dessas informações pode seguir por dois caminhos. O primeiro diz que as vantagens comparativas finalmente se impuseram sobre uma industrialização artificial baseada no processo substitutivo de importações. Essa perspectiva compreende que somente as indústrias que deveriam existir poderiam de fato prevalecer em um processo de abertura acelerada e indiscriminada.

Outro diagnóstico aponta para os efeitos desindustrializantes de uma moeda nacional sobrevalorizada. Essa explicação é convergente com informações divulgadas por The Economist em meados de 2010, quando se apontou que o real estaria apreciado em aproximadamente 31% em relação ao dólar.

O Banco de Compensações Internacionais (BIS) também vem apontando para a sobrevalorização do real em 2011. Pode-se acrescentar a essa mesma análise o quadro da "doença holandesa" (desindustrialização) provocada pela valorização de certas commodities.
Por certo se trata esse de um quadro complexo. Não há como negar que vantagens comparativas falem alto quando se pensa na alocação de recursos escassos. Por outro lado, não se deve negar o caráter dinâmico que as vantagens comparativas podem adquirir ao longo do tempo. O conhecimento tem um papel estratégico na sua evolução.

Justin Lin, economista-chefe do Banco Mundial, defende que o enfrentamento das vantagens comparativas de um dado momento costuma ser ineficiente e contraproducente. A estratégia de desenvolvimento, portanto, deveria buscar estimular as contínuas inovações tecnológicas e atualizações das suas estruturas industriais, assim como as correspondentes mudanças institucionais demandadas pelo processo em curso, para que se logre êxito no desenvolvimento sustentado.

Lin ressalta a importância de um governo inteligente, indutor e facilitador como fundamental. Commodities podem ser aproveitadas para se desenvolver vínculos para frente e para trás com outros setores. Bastaria, para tanto, um ambiente institucional e empresarial adequado.
Do ponto de vista do ambiente de negócios, entretanto, penso não bastar apenas que as regras do jogo e a capacitação do empresariado estejam adequadas. Conforme colocou John Maynard Keynes em sua Teoria geral (1936), o estado de confiança e as convenções são elementos importantes.

Chama especial atenção no capítulo 12 da citada obra que "a sabedoria universal indica ser melhor para a reputação fracassar junto com o mercado do que vencer contra ele". Jogos de espelhos ou efeito de manada? Keynes preferiu o termo convenções.

Convenções englobam métodos e crenças de um grupo em como o mundo funciona. Penso que somente mirando nas convenções do empresariado para se entender como a aposta nas vantagens comparativas naturais brasileiras no século XXI pode ainda ser sustentada como uma estratégia inteligente. Deve-se buscar estender essa análise para a desnecessária sobrevalorização da moeda brasileira em relação ao dólar.

O Brasil é um país urbano e a própria globalização é um processo urbano. Nesse sentido, como se pode pensar simploriamente em apenas focar no agronegócio, nos hidrocarbonetos e nos demais recursos minerais, deixando o câmbio flutuar ao sabor do mercado, num tempo em que se espera por um modelo de desenvolvimento sustentável e não predatório?
Considerando o fato de que aproximadamente 70% das exportações globais de manufaturas e inovações são provenientes dos setores metal-mecânico, químico e eletroeletrônico, como se poderão utilizar nossos preciosos recursos naturais para desenvolver indústrias de apoio e correlatas?

Rodrigo Medeiros
Professor da Ufes, sócio da Associação Keynesiana Brasileira e integrante da rede Economists for Full Employment do Levy Economics Institute (NY).

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